segunda-feira, 7 de abril de 2014

Um amor em tempos de guerra

Depois de um namoro de quatro anos, J. e J. casaram por procuração a 9 de Setembro de 1962. Na altura, a guerra do ultramar estava no auge e J. recebeu ordens para embarcar para Angola. Completamente apaixonada, J. encheu-se de coragem e foi com o marido para África, onde permaneceu durante dois anos e foi mãe pela primeira vez. Hoje, 52 anos depois, o casal continua unido, apaixonado e é com carinho que recordam o início de uma vida a dois. 

Foi na infância que J. e J. se cruzaram pela primeira vez, mas só anos mais tarde o destino os juntou. "A primeira vez que me propôs namoro, recusei. Mas, num baile de Carnaval, eu estava de cara tapada e ele veio ao pé de mim, começámos a dançar e ainda hoje ele diz que me reconheceu pelos pés! [risos] Alguém lhe deu a dica que era eu e a partir daí nunca mais nos largámos", recorda J. 

A relação amorosa não era vista com bons olhos pelo progenitor da adolescente. "O meu pai queria que eu tirasse um curso superior e não queria nada de namoros. Quando soube de tudo, deu-me um grande sermão. Até que um dia viu-me com o J. na estação de comboios e desde daí, passou a ir-me buscar à estação todos os dias! Mas eu não deixei o J. e juntos arranjámos uma forma de nos encontrarmos todos os dias", conta, ao que o companheiro acrescenta: "Ela ia de comboio para Setúbal todos os dias, de manhã cedo, e eu trabalhava no banco, no Montijo e só entrava às dez. Como ela mudava de comboio no Pinhal Novo, eu também passei a apanhar o comboio e quando chegávamos ao Pinhal Novo, ela seguia para Setúbal e eu voltava para o Montijo. Era a única forma de estar com ela... E durante os quatro anos de namoro, só estávamos juntos uma hora por dia!"

O casamento acabou mesmo por acontecer a 9 de Setembro de 1962. "Para me casar foi necessária a autorização do meu pai e para o convencer, pedi ajuda ao padre! [risos] Foi assim que consegui casar por procuração. Mas fomos à igreja e tudo! Eu estava muito feliz... Um dos irmãos do J. foi no lugar dele e a minha ideia já era ir com ele para Angola", confessa J. 

Na altura, a guerra do ultramar estava no auge e a mobilização acabou por chegar. Foi através de um telegrama que J. informou a esposa que chegava a Lisboa num dia e partia no dia seguinte para África. J. ficou a matutar no assunto e falou com o pai: "Disse-lhe que ia tentar ir para Angola com o J. e ele disse-me que já sabia que eu ia conseguir o que queria". E assim foi!

A lua-de-mel acabou por ser a bordo do 'Niassa', na viagem que uniu os dois continentes. "Ficámos juntos no camarote e chegámos felizes a Angola", afirma J. Já no continente africano a guerra não amedrontou J.: "Eu nem pensava nisso!... A minha alegria era tanta de estar junto dele... Era uma paixão! Eu acho que ele é mesmo a minha alma gémea. Somos o oposto, mas completamo-nos"

Foi a 23 de Novembro de 1964 que o casal voltou a pisar terras lusas. Mas não vieram sozinhos... Com eles trouxeram o filho que nasceu em Luanda, a 9 de Agosto de 1963, e a quem deram uma irmã alguns anos mais tarde. Hoje, o amor que uniu J. e J. multiplicou-se e já os contemplou com cinco netos e três bisnetos. 

J. e J. recordam com ternura o amor que viveram em tempos de guerra. E além dos diversos episódios que ficaram na memória do casal, guardam com carinho diversas fotografias, cartas e até telegramas que testemunham os tempos de namoro e o amor que os une até hoje. Aos 71 anos, J. confessa que ainda ama J., de 73. "Felizmente ainda somos apaixonados", diz, ao que o cônjuge acrescenta: "Sou de uma época em que se escreviam cartas de amor; Escrevi centenas de cartas para a minha mulher... O meu amor é sincero e verdadeiro e gosto da minha mulher como gosto, mas sem lamechices! [risos] Não me esqueço que só na segunda ou terceira tentativa é que ela cedeu e aceitou namorar comigo!... E foi até hoje!". Apaixonado, o casal garante que ficará junto até que a morte os separe... 

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